quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Assim caminha a humanidade...

“Ainda vai levar um tempo..., pra fechar o que feriu por dentro
Natural que seja assim, tanto pra você quanto pra mim...
Ainda leva uma cara pra gente poder dar risada...
Assim caminha a humanidade, com passos de formiga, e sem vontade...”


...Assim caminha a humanidade! Somos mais de sete bilhões de moradores nesta terra de meu Deus, e não sabemos sentir como andam os corações nem da maior parte das pessoas que nos rodeiam, apenas. Conhecer o mundo inteiro é tarefa impossível, eu sei. Não há como saber sobre um mar infinito de pessoas e de suas emoções mutantes, nem tão somente pela impossibilidade geográfica, como pelas diferenças sócio-culturais e políticas mundiais, mas principalmente pela indiferença com que estamos caminhando rumo ao quase nada que muitas vezes são os nossos caminhos apressados.

Semana passada, envolvi-me em um acidente de carro. Coisa leve. O pouco que houve, aparentemente, foi um torcicolo, e o aborrecimento de ficar sem o carro por alguns dias. Seria tão pouco, não fossem os bastidores de um acontecimento cotidiano no trânsito caótico das mini ou máxi cidades, tanto faz. Em um segundo olhar, percebemos de grave, a indiferença humana, a falta de cuidado com o próximo, os olhares que não te alcançam, porque não te enxergam, vêem apenas. E não o fazem como a um semelhante, ou como uma oportunidade para exercer o milagre do dia, mas como um empecilho, um entrave...”a pedra do caminho”.

Ainda me recuperava do susto, e ecoava em mim o barulho forte do encontro desencontrado dos carros, quando pude ouvir algumas pessoas buzinando para que eu desinterditasse o caminho (o carro que colidiu com o meu precisou sair, havia uma criança ferida, que está ótima, graças a Deus), pois muitos queriam passar. Estes iam apressados aos lugares de sempre, e entre esquinas não cruzadas, ou pelos caminhos sem flores que percorrem, nem me viram! Na concretude dos seus passos iguais, não puderam ver alguém que chorava o medo, ou a solidão de alguns poucos ferimentos em um corpo com um espírito assustado, e embora fosse um momento transitório, é bem verdade, foi intenso como só os que passam por impacto igual, sabem entender.

Em segundos, senti pavor de mim, da minha condição de ser igualmente humana, ao imaginar que um dia posso ter feito alguém ser invisível desta forma. Como se não bastasse senti culpa por estar ali “atravancando o ‘teu’ caminho”, e desejei ser mágica, para que me dissessem com carinho “ela passará, e eu passarinho...”. Ninguém parou, desceu do seu carro ou atravessou a rua e me perguntou sobre o meu soluço, minha pausa, minha demora em seguir, meu eu, eu. Sem truques, e sem platéia, segui pensando o que eu não queria ser, para não ter na minha cartola. O desamor veio em primeiro lugar.

Desta forma, entendi que magia mesmo só haverá naqueles que podem entender uma pausa. Pausa que leve o tempo necessário para estender uma mão quando alguém cai, para sorrir de riso inteiro ao outro que chora por algum motivo comum, mesmo que nós nem o conheçamos, ou para ouvir uma pessoa que sente razões para lamentar a luz que o invade. Deve haver tempo para “fazermos acordos com o destino”, fazendo-nos entender que não há pressa que justifique a ausência na vida do próximo, salientando que abrir mão desta celeridade nos fará mais atentos e mais prestativos, para não dizer mais unidos, amigos, mansos, mais divinos, semelhantes ao bem que devemos ser.

Imagino que se o cuidado fosse a primeira marcha do dia, não chegaríamos à quinta delas em poucos segundos de estrada, porque haveria em nós o desejo de permanecermos sintonizados uns aos outros, como reconhecimento de que este é o mecanismo de injeção de ânimo mais eficaz ao funcionamento das nossas próprias vidas, e do conjunto delas.

Não costumo dramatizar as minhas vivências. Acho que não devemos egoísticamente vitimizarmo-nos enquanto podemos escolher a liberdade de seguir adiante levando conosco as lições que nos proporcionam os acontecimentos. Sou do tipo que assumidamente joga o jogo do contente, e sempre tenta ver o lado bom de tudo. Sem falso positivismo ou ironia, tento exercitar a compensação, como forma de livrar-me de todo amargor que alguma coisa ou alguém, possam me causar, insistindo para que o meu coração em trânsito seja cada vez mais divino, em vez de humano, no sentido generoso da ação, embora eu tente mais do que consiga.

E pelas tentativas, no universo de exercícios que me cabe, penso no mundo atemporal dos bons propósitos e motivos que é alicerçado na família e nos muitos bons amigos que nos ajudam a enraízarmo-nos nesta terra, ou ainda que é justificado nos desconhecidos que surpreendem, e como anjos, que aparecem em forma de pessoas, têm atitudes que nos relembram generosamente como devemos agir em prol da humanidade que somos todos nós. Lembrando destes tantos bons encontros que fazemos na vida, partilho a esperança que carrego comigo com todos os que entendem que ver é diferente de enxergar, mas principalmente com os que não o conseguem, como forma de evitar que nos habituemos a tudo, ou que fiquemos alheios ao melhor dom que recebemos: o amor ao próximo.

”Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade”, disse Chaplin outro dia, fazendo parecer minúscula à distância de setenta anos que separa o seu dito, do nosso não feito.

Mona.
Crato, 28 de outubro de 2011.

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